Homenagem aos artistas do Charlie Hebdo

Janeiro, 2015
Renato Lessa
Artigo
Palavra do presidente

No dia 7 de janeiro passado, um atentado terrorista massacrou a redação do semanário francês Charlie Hebdo. Ao todo, o ato deixou 12 mortos, entre os quais a fina flor do desenho de humor francês. Em plena atividade criativa, artistas tais como Wolinski, Charb, Cabu, Tignous e Honoré tiveram suas vidas brutalmente ceifadas. A “razão” do ato, segundo os perpetradores, teria sido a publicação de desenhos ofensivos ao Islã, em particular a militantes que se valem de referências religiosas para a justificar a intolerância e a matança.

O atentado vitimou, para além das vidas, o princípio da liberdade de pensamento e de criação. Mais do que isto, entretanto, procurou atingir o humor, um operador fundamental para o exercício da crítica e do próprio pensamento. Rir é uma virtude cognitiva: o humor surpreende, desloca significados cristalizados, alarga a sensibilidade. É, portanto, inimigo mortal do dogmatismo, do fanatismo e dos portadores de certezas inegociáveis. Por tal razão, a relação entre humor e liberdade é central para sociedades democráticas, nas quais nada deve ser sacralizado e ninguém está a salvo do juízo crítico e da mordacidade.

A Biblioteca Nacional, por sua característica básica – guarda de patrimônios culturais do país – é um abrigo para a variedade criativa dos humanos. A liberdade de pensamento e de criação é essencial para que ela seja o que é. Neste sentido, seu alinhamento é claro: somos também Charlie; somos pelo humor; pela livre manifestação do espírito humano.

Esta pequena mostra homenageia o semanário francês, por meio de uma menção a seu mais genial colaborador, o cartunista Georges Wolinski. O público brasileiro aficionado por quadrinhos o conheceu no início dos anos 1970, quando a revista Grilo, que circulou entre 1971 e 1973, publicou vários de seus trabalhos. Grilo durou apenas três anos, vitimada pela ditadura, mas foi responsável pela divulgação de obras geniais, de gente tal como o próprio Wolinski, Smythe (Andy Cap), Jules Feifer, Guido Crepax (Valentina) e Robert Crumb, entre outros.

Wolinski, judeu nascido da Tunísia em 1934, emergiu para o mundo do desenho de humor com o Maio de 1968, quando lançou a revista L’Enragé. Desde então, até há poucos dias, seu traço combinou forte componente político e erótico, tal como pode ser percebido nos trabalhos que executou em vários jornais e revistas (L’Humanité,

Libération, Paris-Match e o próprio Charlie Hebdo). Sua criação mais famosa, em parceria com Georges Pichard, foi a personagem Paulette, mas a cunha crítica e corrosiva aparecia sobretudo em charges e tiras isoladas. No Brasil, Wolinski influenciou uma legião de excelentes cartunistas, reunidos no semanário O Pasquim. O mais afinado, entre nós, com o humor peculiar do criador de Paulette talvez tenha sido o genial Jaguar.

Georges Wolinski foi um artista invulgar, devotado à arte do humor corrosivo e, por

vezes, pesado. Um tipo sem o qual não se pode dizer que vivemos em sociedades livres e civilizadas.