O Espelho Diamantino, para as senhoras brasileiras

quarta-feira, 20 de maio de 2020.
Notícia
Espelho diamantino, senhoras brasileiras, moda, belas artes, Fundação Biblioteca nacional
“Periodico de política, litteratura, bellas artes, theatro e modas dedicado às senhoras brasileiras”. Assim era definido O Espelho Diamantino, o primeiro órgão da imprensa brasileira voltado ao público feminino da Corte, lançado em 20 de setembro de 1827.

Dando destaque à moda e às belas artes, temas que, seguindo o raciocínio patriarcal, interessavam às mulheres, buscava também apresentar às mesmas noções básicas de conhecimento político, cultural e científico. Podia parecer um avanço e tanto para um Brasil recém independente. No entanto, era editado por um homem, jamais tendo dado voz a seu público-alvo.

O Espelho Diamantino saiu pela Imperial Typographia de Pierre Plancher-Seignot, que chegou a rodar um prospecto dias antes, para introduzir a imensa novidade ao público. Seu responsável, o tipógrafo francês de inclinações liberais Pierre René François Plancher de La Noé, havia debutado na imprensa brasileira em 1824, com O Spectador Brasileiro, tendo abandonado esse projeto em 1827 por conta de uma represália governamental a seu conteúdo – embora se tratasse de uma folha estritamente governista.

No mesmo ano de 1827, então, Plancher se dedicou a periódicos que teriam linha política mais amena: em abril lançou L’Independant, o primeiro jornal francófono brasileiro, e a partir de outubro se engajou na impressão do longevo Jornal do Commercio, que praticamente deixaria de lado questões políticas para se dedicar ao tema da economia. O Espelho Diamantino foi, afinal, outro projeto editorial de Plancher para aquele momento. Mas, possivelmente pela energia despendida no Jornal do Commercio, a publicação de modas não foi mantida por muito tempo, tendo sido publicada somente até sua 14ª edição, de 28 de abril de 1828.

O Espelho Diamantino foi lançado já ao fim do Primeiro Reinado, momento em que o processo de Independência se concluía e que o passo seguinte era claro: ascender o Brasil junto às demais nações civilizadas. Nesse contexto a imprensa periódica, no que representava junto aos espaços de debate público, era uma ferramenta valorosa. Ao levantar a discussão sobre o papel feminino na nação recém-independente, tomando como exemplo publicações periódicas europeias que existiam já há algum tempo, a iniciativa de Plancher atingia uma posição singular.

Conforme os costumes da época, o francês assinava seus textos n’O Espelho Diamantino com um pseudônimo: Julio Floro das Palmeiras. Ali, todavia, defendia a instrução das senhoras da Corte, refletida na postura editorial de apresentar ao público feminino temas de ordem política, científica e cultural, mas sem deixar de lado a moda, assunto atribuível ao gosto do “bello sexo”.

Na seção “Annaes da virtude”, o redator dava pequenos relatos biográficos que serviam de exemplos de mulheres virtuosas ao longo da História: suas façanhas, no caso, deveriam servir de modelos de empoderamento feminino. Ainda assim, a emancipação da mulher conforme O Espelho pregava era relativa, distando muito de noções contemporâneas de igualdade entre os sexos, algo ainda absolutamente fora de questão. O pensamento impresso em suas páginas era, em verdade, recheado de suposições masculinas sobre como a mulher civilizada, ideal, deveria ser: menos rígida à estrutura moral opressora do passado, mas sem interferir nos campos onde o homem desempenha seu papel social.

Fisicamente, O Espelho Diamantino era bem diferente das demais publicações

periódicas de sua época. Seu formato era o de uma mescla entre jornal e revista e era impresso sem divisão textual em colunas, em caracteres grandes. Sem falar no número de páginas: cada edição tinha cerca de 20, contra as costumeiras quatro páginas por edição, do restante dos jornais.

Além de O Espelho e de outros periódicos, a tipografia de Pierre Plancher, que se localizava no nº 95 da Rua do Ouvidor, imprimia panfletos informativos, calendários, libretos de ópera, entre outras coisas, sendo também uma forte casa comercial de livros, sobretudo obras francesas – mas também vendia bilhetes do teatro e remédios importados da Europa.

(Bruno Brasil)