Luciana Wollmann, pesquisadora da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) pelo Programa Nacional de Apoio à Pesquisa (PNAP), utiliza a coleção do periódico Diário do Povo, mantida sob a guarda da FBN, como fonte de consulta de seu trabalho. Sua ideia é mostrar como o jornal procurou posicionar-se como “ator político” importante, em uma época marcada por forte atividade sindical e disputas eleitorais acirradas, estabelecendo um jornalismo marcadamente “de opinião” e contrapondo-se à tendência da imprensa brasileira da época, preocupada com a busca de uma suposta imparcialidade.
De acordo com a pesquisadora, o periódico nasceu na barbearia de José de Mattos, situada no bairro do Barreto, na capital fluminense. “Ponto de encontro de operários, jogadores de futebol e políticos, o estabelecimento se converteu em local de debate público quando Mattos começou a afixar notícias de esportes, greves operárias, comícios, atividades políticas etc. nos espelhos e nas vitrines”, conta Luciana. Nos anos 1920, com auxílio de figuras proeminentes do Barreto, José de Mattos fundou seu jornal, inicialmente restrito ao bairro e denominado O Quinto Distrito. Em 1936, mudou-se para o centro da cidade e passou a se chamar Diário da Manhã. Somente em 1947 ganhou o nome Diário do Povo.
O Diário do Povo tinha fortes similaridades com a imprensa que se convencionou chamar de “popular” nos anos 1950, proclamando-se sempre em favor das classes proletárias e, com frequência, dirigindo-se diretamente a elas. Manchetes de impacto, por vezes sensacionalistas, dividiam espaço com notícias de greves operárias, alta de preços dos gêneros alimentícios, crimes passionais e denúncias de descuido da administração pública, sobretudo em bairros populares. Também noticiava fatos da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal de Niterói e dedicava uma página inteira aos campeonatos de futebol profissional e amador do estado.
“José de Mattos era um crítico tenaz do interventor Amaral Peixoto e foi detido diversas vezes pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) por infringir a Lei de Imprensa. Filho de pais analfabetos, o jornalista nem ao menos possuía o curso primário completo. Graças à “formação” adquirida na barbearia, em bares, clubes, sindicatos e comitês partidários, Mattos angariou certa credibilidade e conferiu identidade própria ao seu jornal. Apesar de já ter disputado a posição de matutino de maior circulação do estado do Rio, o Diário do Povo ficou relegado ao esquecimento a partir do seu fechamento, em meados dos anos 1960, e principalmente após morte do seu fundador, na década seguinte”, relata Luciana.
Luciana Wollmann é doutoranda em História Política e Bens Culturais pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisadora da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) pelo Programa Nacional de Apoio à Pesquisa (PNAP). Integrante do Laboratório Mundos do Trabalho e Movimentos Sociais (LEMT) da FGV, dedica-se a pesquisar temas relacionados aos mundos do trabalho, história política, história fluminense e imprensa. Atualmente, desenvolve a tese Niterói Operário: trabalhadores, política e lutas sociais na antiga capital fluminense (1942-1964), sob orientação do Prof. Dr. Paulo Fontes. Luciana também é professora da rede pública de ensino.