Perfil – Guilherme Curi e os periódicos árabes no acervo da Biblioteca Nacional

sexta-feira, 21 de agosto de 2015.
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A constituição da literatura e da mídia impressa árabe no Brasil e a identificação das linhas que estruturam essas formas de mediações socioculturais são temas do projeto que o pesquisador gaúcho desenvolve, utilizando como base de consulta o acervo da Biblioteca Nacional.

Bolsista do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa (PNAP) da Biblioteca Nacional, Guilherme Curi faz um estudo crítico e analítico da produção teórica e intelectual dos imigrantes sírios e libaneses no País. Seu trabalho, intitulado O Renascimento Nahda passa por aqui: Literatura e imprensa árabe moderna presentes no acervo da Biblioteca Nacional, busca compreender como se dão as relações migratórias, seus contextos sociais, culturais e de cidadania.

“Ao todo, foram quase 400 títulos de periódicos criados pelos imigrantes ou descendentes e mais de 300 jornalistas que trabalharam na criação e circulação desses veículos. A influência árabe na cultura brasileira extrapola as fronteiras do imaginário coletivo e está muito mais presente em nosso cotidiano do que pensamos. Ainda assim, ficamos presos a conceitos estereotipados e exaltamos a diferença entre os povos, defendendo posições que acreditamos ser ocidentais sem antes questioná-las e descobri-las”, observa Guilherme.

De acordo com o pesquisador, a entrada de sírios e libaneses no Brasil acontece a partir de dois momentos simbólicos:

  • em 1861 quando há uma grande perseguição de cristãos na região do Levante (onde hoje estão localizado Síria e Libano); e
  • em 1880, logo após a visita de D. Pedro II ao Líbano, que incentivou o processo migratório a partir daquela região, que atravessava difícil situação econômica, política e religiosa.

Curi explica que “uma das motivações da pesquisa é o fato de o Brasil ser um dos principais berços do renascimento da arte árabe no mundo, o chamado Al Nahda, considerado um dos movimentos culturais mais significativos, não somente no campo das artes, mas também na esfera política do chamado pan-arabismo na primeira metade do século passado. Fruto dessa efervescência, surge a literatura Mahjar – que em árabe significa ‘emigração’ –, integrada por poetas, ensaístas e jornalistas, conhecidos como escritores mahjaris, simultaneamente lidos no continente americano e em países do Oriente Médio”.

O pesquisador conta ainda que os dois principais coletivos eram al-Rabita al-Qalamiyah (A Liga da Caneta), sediada em Nova Iorque, e al-Usbh al-Andalusiyah (A Liga Andaluza), baseada em São Paulo. Este último motivou a criação da revista Liga Andaluza de Letras Árabes, que durou aproximadamente vinte anos e tem muitos exemplares disponíveis no acervo de periódicos da BN. “No setor de Obras Raras, encontrei um dos primeiros jornais bilíngues (árabe e português) publicados em território nacional, sob o título de Al Ashmay. Na primeira edição, datada de 1899, há um artigo em português que mostra a explícita vontade dos recém-chegados sírio-libaneses de serem aceitos, incluídos e, acima de tudo, percebidos como uma nova comunidade. O emblemático texto é uma tentativa de desmitificar o imigrante, a ser percebido não como intruso ou estranho, mas como indivíduo capaz de produzir intelectualmente e de exercer funções para muito além de trabalhos braçais no campo e na cidade”, relata o bolsista.

Os estudos migratórios estão presentes na trajetória acadêmica e também de vida do pesquisador, doutorando do programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-Pós/UFRJ). Em 2007, ele concluiu o mestrado em sociologia pela University College Dublin (UCD), quando pesquisou a relação das cidades portuárias ocidentais com a música popular do século XX. Na Irlanda, além de fazer mestrado, também trabalhou por dois anos no setor de ciências sociais e artes da James Joyce Library, biblioteca da UCD.

“É mais do que um privilégio esta bolsa de pesquisa na BN, as bibliotecas me fascinam”, declara Guilherme, que também é compositor e já lançou seu primeiro disco, intitulado Samba Colours.

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