Diálogos recebeu Armando Freitas Filho e Walter Carvalho na quinta-feira, dia 28

sexta-feira, 29 de setembro de 2017.
Evento
cinema, poesia, literatura, documentário
O Auditório Machado de Assis da Biblioteca Nacional recebeu nesta quinta-feira, 28 de setembro, o cineasta Walter Carvalho, acompanhado do poeta Armando Freitas Filho, em cuja homenagem produziu o documentário ‘Manter a linha da cordilheira sem o desmaio da planície’.

cobertura-3832-dialogos-recebeu-armando-freitas-filho-walter.jpg

28 de setembro - Armando Freitas Filho, Helena Celestino e Walter Carvalho no Programa Diálogos.
28 de setembro - Armando Freitas Filho, Helena Celestino e Walter Carvalho no Programa Diálogos.

O Programa Diálogos, com apresentação da jornalista Helena Celestino, começou com a exibição de trechos do documentário dirigido por Walter Carvalho. A obra mostra o poeta em sua intimidade, lendo textos próprios, explicando seu processo criativo e transmitindo sua visão sobre a poesia.

Logo no início, provocado por Helena Celestino (por que decidiu dirigir o documentário sobre um biografado a quem não conhecia?), Walter Carvalho respondeu: “eu sou um leitor de poesia e sempre quis compreender como nasce um poema. Certas coisas me perturbam. O poeta vai ao banco e pega ônibus? Eu tinha essa curiosidade. E a construção do poema, como acontece? Por que aquela palavra está dentro do poema, e não a outra? Eu comecei a me aproximar do Armando, e quis saber como se faz poesia”. Armando Freitas Filho respondeu: “eu sou um poeta urbano, banal, compro bananas, vou à feira, ao shopping. Para usar uma metáfora bem esquisita: escrever poesia é como espremer espinha. O que sai dali é uma coisa ruim. Ao mesmo tempo, tem uma densidade, uma presença sua. Escrever é como espremer espinhas pela vida afora”.

Helena Celestino lembrou então passagens e declarações dos dois entrevistados que, de certa forma, processos criativos parecidos. Sobre Walter Carvalho, citou declaração em que esse dizia gostar de colocar a câmera bem perto do entrevistado, a ponto de “sentir o seu cheiro”. Já Armando, em trecho do próprio documentário, diz que gosta de estar fisicamente perto do papel, estabelecendo uma relação muito próxima com o produto de seu trabalho.

Walter Carvalho respondeu que, para captar a emoção do ator e levá-la adiante, há uma série de etapas intermediárias, sendo que todo o processo começa na captação: “entre o ator e você há um aparato. Quando você faz o filme, toda a criação está submetida a um aparato. Por isso, eu gosto muito de trabalhar com a câmera na mão e próxima do ator”. O diretor lembrou que quase entrou com a lente dentro da boca do Lázaro Ramos em cenas gravadas para o filme Madame Satã, como se quisesse se livrar inteiramente do aparato que o separava do ator. Já Arnaldo Freitas Filho, explicou assim: “eu escrevo bem pertinho, a um palmo de distância, como que para ‘prender’ as ideias no papel”.

Ainda sobre o processo criativo, os convidados demonstraram sintonia também no que se refere ao limite (fim) de suas obras. Ambos citaram a vontade de reabrir, reiniciar, continuar e revisitar constantemente seus trabalhos.

Segundo Walter Carvalho, o filme de cinema não deveria acabar: “eu poderia ficar a vida inteira fazendo o filme sobre o Armando”. Já Armando refletiu que “poema algum tem fim. Meus poemas sempre têm alguma coisa para tirar ou para colocar. Por exemplo, eu quero fazer o próximo livro no ano tal, mas não sei se vou chegar ao ano tal. Ao mesmo tempo, eu quero acabar esse livro que escrevo desde 2013..., mas na verdade, não quero”.

Walter Carvalho falou sobre o desafio de criar o filme em homenagem a Armando Freitas Filho: “você está tratando de uma linguagem através de uma outra linguagem. Esse é a grande chave da questão. Como você trata da linguagem do código verbal com o código imagético? Tem muita reportagem bem-feita que chamam de documentário, mas não é. Quando há constatação, trata-se puramente de jornalismo. Documentário é quando você constrói alguma coisa”.

Questionado por Helena Celestino justamente sobre esse processo de construção do documentário, se costumava trabalhar a partir de um roteiro, Walter Carvalho explicou que traça linhas gerais de seu trabalho a partir de anotações, mas o processo criativo pode seguir diversas linhas. Outro aspecto importante é o estudo do objeto de seu trabalho. Não pode ser superficial, mas não pode ser tão aprofundado também: “eu estudo o assunto até a página 6. Da página 6 à página 10, quem vai me dizer é a investigação, o processo de produção do filme. É como o amor, você vai devagarinho, não pode acontecer tudo na primeira noite, tem que ir despindo aos poucos, descobrindo. Heráclito diz que o belo é o que se esconde”.

Por fim, Armando declarou que “escrever poesia é a única coisa que me faz esquecer de mim. O tempo passa. Eu escrevo para mim. Se gostarem, ótimo, se ganhar prêmio, ótimo. Mas eu não estou aqui para lamber estatueta”. Arrancou gargalhadas e aplausos da plateia com uma história ao encerrar: “outro dia, um camarada meu da Academia Brasileira de Letras disse assim: ‘Armando, você tem que entrar na academia. Ao que eu respondi: ora, mas eu não quero me tornar um assassino. Eu não quero matar ninguém, porque para entrar, tem que sair algum morto lá de dentro”.