Lançamentos e leituras em homenagem ao Mês da Mulher na Biblioteca Nacional

segunda-feira, 2 de abril de 2018.
Evento
Júlia Lopes de Almeida, Narcisa Amália, literatura, mulher, lançamento de livro
São muitos os instrumentos que ajudam a fixar na memória de um país a sua literatura: textos críticos, ementas de cursos superiores, livros didáticos e, principalmente, as histórias das literaturas nacionais. Porém, a grande maioria desses registros é de autores do sexo masculino, fazendo-se silêncio, por vezes absoluto, sobre a obra de (não poucas) grandes escritoras.

cobertura-4180-lancamentos-leituras-homenagem-ao-mes-mulher.jpg

12 de março de 2018 - Ana Maria Lisboa, Anna Faedrich e Hildete Pereira de Melo formam a mesa de debates em homenagem ao Mês da Mulher na Biblioteca Nacional.
12 de março de 2018 - Ana Maria Lisboa, Anna Faedrich e Hildete Pereira de Melo formam a mesa de debates em homenagem ao Mês da Mulher na Biblioteca Nacional.

A fluminense Narcisa Amália e a carioca Júlia Lopes de Almeida são dois exemplos disso. Como outras mulheres atuantes do final do século XIX e início do século XX, elas pouco aparecem nos textos sobre a história da nossa literatura. Para tentar corrigir a injustiça, a Biblioteca Nacional relançou, em coedição com a Editora Gradiva, no dia 12 de março, o livro de poemas Nebulosas, de Narcisa Amália, cuja primeira e única edição data de 1872; e organizou uma seleção de crônicas publicadas no jornal O Paiz, entre 1908 e 1912, por Júlia Lopes de Almeida.

A reedição de Nebulosas foi organizada pela doutora em Teoria Literária Anna Faedrich, que participou também – juntamente com Angela Di Stasio, mestre em Memória Social e técnica em pesquisa da Biblioteca Nacional, e Marcus Venicio Ribeiro, coordenador-geral do Centro de Pesquisa e Editoração da BN –, da organização da coletânea Dois dedos de prosa.

Segundo Anna Faedrich, Narcisa Amália (1852-1934), natural de São João da Barra (RJ) ocupou lugar de destaque em periódicos do Rio de Janeiro, publicando artigos e tradução de contos e ensaios de autores franceses. Nebulosas, seu único livro, causou em Machado de Assis “excelente impressão. Achei uma poetisa dotada de sentimento verdadeiro e real inspiração, a espaços de muito vigor, reinando em todo o livro um ar de sinceridade e modéstia que encanta(...)”. Um dos poucos críticos a fazer referência ao seu livro foi Wilson Martins (1921-2010), que, em História da inteligência brasileira, conta que Nebulosas “foi a estreia mais sensacional do ano” e que “Narcisa Amália foi mulher emancipada e corajosa defensora dos direitos femininos (...)”.

A carioca Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), embora bem mais conhecida do que Narcisa e muito atuante desde a última década do século XIX – período em que publicou crônicas semanais na primeira página de O Paiz –, também ficou de fora dos cânones literários estabelecidos pelas nossas histórias da literatura, sempre escritas por homens. Júlia foi autora de dez romances, como A intrusa, reeditado em 1994 pela Biblioteca Nacional, manuais de aconselhamento às mulheres, como o Livro das noivas (1896), duas peças teatrais, contos, crônicas e três livros dirigidos ao público infanto-juvenil.

Participaram ainda do lançamento a doutora em Teoria Literária Ana Lisboa, fundadora da Gradiva Editorial, a atriz Beth Araújo, que fez a leitura dramatizada de poemas e crônicas das duas autoras e ainda uma bisneta de Narcisa, Nilza Ericson, e um dos netos de Júlia, Cláudio Lopes de Almeida.

“Narcisa foi uma mulher que se casou aos 16 anos e se destacou como jornalista, autora e poetisa no interior do Rio de Janeiro, em uma sociedade ainda escravocrata e tradicional”, lembrou Nilza Ericson, cuja presença revelou para os estudiosos da poetisa que, ao contrário do que se acreditava, ela teve uma filha, Alice Violeta. Narcisa, que tinha seus movimentos controlados pelo marido, desquitou-se depois de fugir com a filha para o Rio de Janeiro.

Cláudio Lopes de Almeida esclareceu que Júlia, que era casada com o poeta português Filinto de Almeida, teve cinco filhos, e não quatro, como consta em estudos sobre ela. E também que ela não teria sido preterida pelo marido na Academia Brasileira de Letras.

“Ela [sua última filha] foi a razão para que a escritora ousasse, em meados da década de 1930, aos cerca de 70 anos, ir à África sozinha, o que, na época, requeria autorização do marido carimbada no passaporte”. Júlia queria ajudar a filha que morava fora e estava recém-separada do marido, a voltar para o Brasil. Na África, ela contraiu malária e, em pouco tempo, veio a falecer.

“A mulher naquela época muitas vezes não podia ir ao dentista sem autorização do marido”, lembrou a professora e coordenadora da Gradiva Editorial, Ana Maria Lisboa, que participou do debate.

A última a falar foi a economista e ativista feminista Hildete Pereira de Melo, e coordenadora da pesquisa para o Dicionário das mulheres do Brasil:

“A história esquece as mulheres (...). Sempre brinquei na minha aula que quem nominasse dez mulheres representativas da História do Brasil ganharia um ponto na prova. Nenhum aluno conseguiu nominar”, observou. “Não é por falta de espaço ou de projeção nas diferentes épocas, mas por falta de registro na memória”, completou Anna Faedrich.

12 de março de 2018 - Anna Faedrich na Biblioteca Nacional.
12 de março de 2018 - Ana Maria Lisboa na Biblioteca Nacional.
12 de março de 2018 - A economista e ativista feminista Hildete Pereira de Melo na Biblioteca Nacional, coordenadora da pesquisa para o Dicionário das mulheres do Brasil.