Ricardo Cabral e os estudos sobre as febres nos trópicos no século XIX

segunda-feira, 9 de abril de 2018.
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Antes da epidemia de febre amarela que assolou o Rio de Janeiro em 1850 e colocou a doença entre os principais temas da saúde pública no Brasil, as febres já suscitavam temores na população e nas autoridades públicas.

Na esteira da transferência da corte em 1808, a Coroa incentivou membros da intelectualidade médica local a se debruçar sobre o tema e propor soluções, como parte de um grande esforço de sanear a nova capital e prepará-la para assumir seu papel de centro administrativo do Império Português.

Contudo, conforme notaram alguns dos médicos que observaram as manifestações febris tanto no Rio de Janeiro como em outras províncias, era comum que as febres nos trópicos se mostrassem distintas daquelas encontradas na Europa. Diante disso, viram-se obrigados a reformular conhecimentos adquiridos durante sua formação no Velho Continente em busca das especificidades do clima local e de seus efeitos sobre o corpo humano. Ao longo do caminho, movimentaram-se por redes de sociabilidade e debates intelectuais que ajudaram a moldar suas trajetórias como membros da intelectualidade da nova corte e funcionários da administração imperial.

A pesquisa de Ricardo Freitas, bolsista do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa, edição 2017, toma como ponto de partida a trajetória de três desses personagens – todos médicos formados na Europa, que desembarcaram no Brasil nas duas primeiras décadas do século XIX. O primeiro deles, José Maria Bomtempo (1774-1843), chegou ao Rio de Janeiro em 1808 após temporada de sete anos na África Ocidental. Aqui estabeleceu-se como professor da Escola de Anatomia e Cirurgia, e foi autor da Memória sobre algumas enfermidades do Rio de Janeiro (1814). Francisco de Mello Franco (1757-1823), nascido em Minas Gerais, formou-se em Coimbra e só retornou ao Brasil em 1817 após décadas de uma bem-sucedida carreira na corte de Lisboa. A partir de sua prática na cidade do Rio de Janeiro escreveu o Ensaio sobre as febres do Rio de Janeiro, em 1821. Por fim, o genovês Luiz Vicente de Simoni (1792-1881) também desembarcou na cidade em 1817, mas partiu para Moçambique dois anos mais tarde a serviço de D. João VI. Na África escreveu o Tratado médico sobre o clima e enfermidades de Moçambique (1821). Após seu retorno, envolveu-se no combate à epidemia de febres nas vilas de Magé e Macacu, em 1831.

O projeto propõe uma análise do processo pelo qual as experiências adquiridas por esses intelectuais enquanto praticantes da medicina em domínios portugueses, assim como sua apropriação original dos debates médicos europeus ajudaram a constituir um conhecimento especifico sobre as febres no Brasil na primeira metade do século XIX.

Ricardo Freitas é bacharel em História (UFRJ), especialista em divulgação científica (Museu da Vida/Fiocruz), mestre e doutor em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS/Fiocruz). Em 2017, defendeu a tese Os sentidos e as ideias: trajetória e concepções médicas de Francisco de Mello Franco na ilustração luso-brasileira (1776-1823).