Yllan de Mattos pesquisa o livro que desafiou a Inquisição

quinta-feira, 20 de setembro de 2018.
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A Inquisição foi um dos tribunais mais implacáveis e simbólicos da intolerância da época Moderna. Embora fosse amplamente aceita em seu tempo, a instituição, que atuou em Portugal, Espanha e em toda a Itália, foi alvo de críticas sobretudo nos países atingidos pela Reforma Protestante. Diversos indivíduos e grupos sociais fizeram valer sua voz contrária à Inquisição por meio de panfletos, memoriais ou mesmo intrigas para forjar uma certa imagem do Santo Ofício.

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O professor do Departamento de História e Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Yllan de Mattos, é bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa da Biblioteca Nacional.
O professor do Departamento de História e Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Yllan de Mattos, é bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa da Biblioteca Nacional.

Em seu projeto, o pesquisador e professor do Departamento de História e Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Yllan de Mattos, bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa da Biblioteca Nacional, analisa um dos livros mais significativos sobre o assunto: o opúsculo conhecido como Notícias recônditas e póstumas sobre o modo de proceder da Inquisição, uma reunião de textos de crítica à instituição.

Como demonstra um grande número de pesquisas, a partir da segunda metade do século XVII a difusão escrita de ideias convulsionou o cenário político: na Inglaterra, a Revolução Puritana (1640-1648) toma as ruas; na França, a luta travada contra o cardeal Mazarino transparece nos panfletos conhecidos como mazarinadas (1648-1653); nas Províncias Unidas, o alvo central foram os Habsburgos ou Oldenbarnevelt (1609-1621). O tema foi tratado, em geral, em linguagem apaixonada, satírica e combativa.

A produção e circulação das Notícias recônditas, ainda na forma manuscrita, foi resultado de uma guerra de pena e tinta ocorrida entre os representantes da Inquisição portuguesa e os procuradores dos cristãos-novos no episódio da suspensão do Santo Ofício na corte papal. Uma das linhas de argumentação do historiador Yllan de Mattos é que esses escritos contra a Inquisição ganhavam certa unidade justamente pela diversidade de seus autores, que ocupavam lugares díspares ou mesmo tinham intenções distintas. Os textos apresentam certa unidade e são, por isso, chamados de literatura anti-inquisitorial – embora a maior parte dos autores dirigisse a crítica apenas aos procedimentos e estilos da instituição, sem a intenção de abolir o Tribunal. Sua pesquisa procura provar que houve uma construção crítica cumulativa: alguns autores – nem todos, cabe ressaltar – leram os escritos que os precederam, acumulando e produzindo textos sucessivos que tiveram como ponto de chegada as Notícias recônditas, publicada em 1708 (inglês), 1720/1722 (português e castelhano, mas com edição inglesa) e 1821 (português e edição lusa).

Notícias recônditas era um livro conhecidíssimo em seu tempo. É bem provável que apenas tenha ficado atrás da Relation de l'Inquisition de Goa (1687), de Charles Dellon, ex-prisioneiro da Inquisição goesa, que obteve rápido sucesso em seu tempo. Dellon pode ter inaugurado um promissor caminho editorial, pois sua obra teve 28 edições completas até 1822. Diversos livros foram publicados na esteira dessas duas obras, pondo fogo no debate político-religioso e atraindo o interesse de muitos leitores.

O manuscrito que precedeu a publicação, assim como o livro e suas edições – objetos da investigação do bolsista –, apresentam uma narrativa pública que se pretende verídica. Para compreender este sucesso editorial, o historiador formulou as seguintes questões: como as Notícias teriam se apropriado das críticas inquisitoriais? Como produzir um texto com credibilidade e veracidade? E de que forma ele atenderia ao leitor do século XVIII? O pesquisador aborda a história dessa obra três frentes: como os livros passam a existir; como chegam aos leitores; e o que os leitores fazem deles?

A Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro abriga três importantes edições desses opúsculos: a primeira, manuscrita, do acervo da Divisão de Manuscritos e oriunda da biblioteca do Conde de Castelo Melhor; a segunda, impressa em 1772, é a edição mais completa; a terceira edição é de 1821, publicada em Portugal no contexto da abolição da Inquisição. As duas últimas estão sob guarda da Divisão de Obras Raras. Yllan de Mattos está comparando essas edições com outras, como aquelas que se encontram na British Library e John Carter Brown Library, publicadas em 1708 e 1713 (uma edição resumida) e na Biblioteca Nacional de Portugal e na Biblioteca Nacional da Espanha, como a edição de 1720, além de outras manuscritas. O historiador analisa ainda outros opúsculos entregues ao Papa durante a suspensão da Inquisição portuguesa, guardados no Archivio Segreto Vaticano. Uma pesquisa de fôlego sobre a extrema importância de um simples livro na luta contra a intolerância.