Os estudos sobre tal fluxo migratório têm preterido suas imagens na literatura, privilegiando outras abordagens e objetos. Pesquisadores portugueses priorizaram a emigração clandestina, as remessas de dinheiro, recrutadores de mão de obra, retornados e tentativas de canalizar emigrantes a colônias africanas. E estudos editados no Brasil frisaram a socialização, empreendedorismo e associativismo de portugueses. A produção acadêmica sobre a imigração a partir de textos literários e na imprensa é menos variada, por exemplo, do que a baseada em fontes oficiais, como documentos de diplomacia.
Olhares esquecidos de escritores portugueses sobre a imigração são buscados por Grangeia em meio a livros publicados entre a independência, em 1822, e o fim do século seguinte. A multiplicidade de imagens é notável nas obras de autores como Francisco Gomes de Amorim, da peça panfletária antimigração Aleijões sociais (encenada como Escravatura branca), Ferreira de Castro (Selva e Emigrantes), Miguel Torga (A criação do mundo e Diário) e Ruth Escobar (Maria Ruth).
Por meio da coleção de literatura portuguesa da Biblioteca Nacional, serão identificadas mudanças e continuidades nos discursos sobre um processo que tem ligado Estados e sociedades com histórias já imbricadas há séculos. Como em sua tese de doutorado em Sociologia (Injustiça, atraso e dívida: desigualdades no discurso de governos brasileiros), Grangeia adotará o conceito de enquadramento tal como tem sido bem usado por sociólogos culturais que estudam relações entre cultura e política.
A pesquisa atual foi um desdobramento do projeto de história oral Sonho e pão: sagas da imigração portuguesa no Brasil, feito por Grangeia com apoio da bolsa Criar Lusofonia (Centro Nacional de Cultura, governo de Portugal) e que gerou artigo científico e um site com perfis de panificadores luso-brasileiros (veja link ao fim do texto). Entrevistas com imigrantes portugueses ou seus filhos em seis cidades brasileiras lançaram luz a experiências íntimas e pessoais, mas também públicas e coletivas.
Doutor e mestre em Sociologia (UFRJ), Grangeia é especialista em Sociologia Política e Cultura (PUC-Rio) e jornalista (UFRJ). Analista de comunicação social do Ministério Público Federal, foi pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade/UFRJ e repórter de Exame e O Globo. É autor de artigos sobre temas como relações estado-sociedade e cultura política, do livro Brasil: Cazuza, Renato Russo e a transição democrática (ed. Civilização Brasileira) e do capítulo Pátria amada, não idolatrada: o Brasil no rock dos anos 1980/1990 no quinto volume da coleção Brasil republicano, organizado por Jorge Ferreira e Lucília Delgado e com lançamento em 2018.