"O Cangaceiro", de Lima Barreto, primeiro filme brasileiro a ganhar prestígio internacional

quinta-feira, 30 de abril de 2020.
Notícia
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Com estreia mundial em 20 de janeiro de 1953, O Cangaceiro foi o primeiro longa-metragem brasileiro a alcançar prestígio internacional. Exibido para mais de 80 países, a obra conquistou importantes vitórias, entre elas, o prêmio criado pelo Festival de Cannes de “Melhor filme de aventura”. A sexta edição do festival, ocorrida entre os dias 15 e 29 de abril de 1953, celebrou o encerramento com destaque para película “Le salaire de la peur” de Henri Georges Clouzot, o grande premiado da edição.

O Cangaceiro, obra escrita e dirigida pelo cineasta Lima Barreto para a extinta companhia cinematográfica Vera Cruz, conta a história do cangaceiro Galdino e seu bando. Intitulando-se o “governador da caatinga”, Galdino espalha o terror pelo sertão nordestino com a execução de saques e perseguições. Em um dos ataques a um vilarejo, Galdino, vivido pelo ator Milton Ribeiro, sequestra a professora Olívia (Marisa Prado) na espera de receber uma boa soma de dinheiro pelo resgate. Mas, Galdino e seu camarada Teodoro (Alberto Ruschel), se interessam pela moça, despertando a ira de Maria Claudia (Vanja Orico), parceira do capitão Galdino. A tensão se agrava quando Teodoro decide libertar Olívia do cativeiro. Ambos fogem pelo sertão adentro, dando sequência ao clima de caça que se instaura na trama.  O longa conta, entre outras colaborações artísticas e técnicas, com a participação ilustre da escritora cearense Rachel de Queiroz, na formulação dos diálogos e com a direção artística de Carybé na elaboração dos desenhos para os figurinos.

Distribuído pela Columbia pictures, o filme com ares de superprodução, garantiu êxito, obtendo mais de 800.000 mil expectadores nas salas brasileiras, atingindo no Brasil um faturamento duas vezes maior que a animação Alice no país das Maravilhas e chegou a ficar em cartaz na França por cinco anos consecutivos. À época, os jornais noticiavam a importante contribuição da indústria cinematográfica brasileira para o aquecimento do mercado externo. Mesmo assim, por questões contratuais na distribuição e circulação da obra, a empresa Vera Cruz, inaugurada em 1949, veio a falir um ano após o lançamento do filme.

A produção cinematográfica inaugura no Brasil o gênero “cangaço”, inspirado pelos westerns norte-americanos. O faroeste brasileiro ou nordestern traz à tona as temáticas nordestinas, valorizando a figura e as características sertanejas. As tensões sociais e institucionais (Cangaço x Estado), o estado de pobreza e carestia da região, oferecem ao público a personificação do anti-herói na figura do cangaceiro. Inspirada na vida de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (nossa imagem de referência), O Cangaceiro toma de empréstimo a retórica teatral, também apresentada em 1953 na peça O Lampião baseada na obra de Rachel de Queiroz. O filme explora suas personagens sem abrir mão dos modelos estereotipados: o “cabra-macho”, a “mulher arretada”, o covarde, o traidor, onde a cenário nordestino atua como suporte ideal para o destino das personagens.

Apesar de ser rodado em Vargem Grande do Sul, interior do estado de São Paulo, Lima Barreto acreditava que a cidade guardava semelhanças com a ambiência nordestina. A bela fotografia do filme se nota logo no seu início. O recurso da contra-luz, pontuado pela presença dos sertanejos montados a cavalo num plano geral, marca o contraste em preto e branco da paisagem, apresentada ao som de “Mulher rendeira”. Sucesso de público e crítica, O Cangaceiro recebeu o Prêmio Saci de melhor filme, Melhor filme no Festival de Edimburgo na Escócia, Prêmio Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos, entre outras honrarias. Em Cannes, também obteve menção honrosa pela trilha sonora montada por Gabriel Magliore.

Em 2015, a produção entrou para a lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Em 2017, a obra foi homenageada com uma exposição organizada pela Casa da Cultura de Vargem Grande do Sul, locação do filme. O bandoleirismo rural ou cangaceirismo continua a povoar o imaginário e alimentar, não somente o folclore nordestino, como provocar questões sobre o papel do cangaço e as margens éticas e morais que dividem a violência da justiça social. 

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