Dos quadrinhos à poesia marginal

sexta-feira, 24 de abril de 2020.
Notícia
quadrinhos, ficção, poesia, poesia marginal
Dificilmente alguém pensa neles quando o assunto é o acervo da Biblioteca Nacional. Eles são um tipo de impresso muito simples: folhas de papel ofício dobradas e grampeadas, reproduzidas por mimeógrafo ou fotocópia. Acertou quem pensou que falamos hoje dos fanzines e dos periódicos artesanais de poesia marginal, produzidos e distribuîdos via postal pelo Brasil nas décadas de 1960 a 1980.

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Zine Manifesto Punk – Número I – Jan-Fev/1988
Zine Manifesto Punk – Número I – Jan-Fev/1988

Ficção, editado em Piracicaba por Edson Rontani a partir de 1965, é considerado o primeiro fanzine brasileiro: Rontani era tão fã das revistas de super herois da Editora Brasil-América Limitada (EBAL) que chegou a ser congratulado pelo fundador desta, Adolfo Aizen, em suas revistas. A ele muitos vieram a reboque, e tratando não só de quadrinhos. Mas apesar de seu suporte fîsico, muito semelhante, os fanzines logo passaram a conviver com outro tipo de publicação artesanal, de gente com outros interesses: poetas e ficcionistas desconhecidos, sem espaço para publicar (que não deixavam de ser fãs de literatura). O que estava em jogo no momento em que seus impressos eram produzidos não era nada simples. Partiam para a contestação. Irreverência e petulância, longe do convencional. Alguns fizeram poesia no sentido mais cru e menos acadêmico possível.

Nesse sentido, cabe lembrar da chamada Geração Mimeógrafo. Nascida de um movimento poético-cultural surgido no Brasil na década de 1970, lançou autores da denominada poesia marginal – um grupo inspirado no Modernismo, na Tropicália e na contracultura. Seus representantes imprimiam livros artesanalmente para vendê-los pessoalmente nas ruas, em eventos culturais ou pelo correio. Muitos deles ainda lançaram periódicos com escritos não só seus, criando obras coletivas de artistas marginais de todo o Brasil e do exterior.

A poesia marginal alcançou certo reconhecimento editorial já em 1975, na antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda – mas nenhum dos autores publicados ali saiu de sua condição "alternativa". Com o início da chamada arte postal (quando poetas e artistas visuais trocavam e divulgavam suas publicações pelo correio) nos anos 1980, uma parte dos periódicos artesanais de poesia começou a flertar com novas culturas, não menos marginalizadas: rock'n'roll, quadrinhos independentes, ambientalismo, movimento anarcopunk e cultura "underground" em geral. Na época, muitos jovens editores divulgavam sua poesia marginal junto a homenagens a seus ídolos: botavam Oswald de Andrade para dialogar com John Lennon. Assim, muitas dessas publicações literárias se mesclaram definitivamente com os fanzines, quando exploravam, além de poesia e manifestos políticos, quadrinhos, literatura e música.

(Bruno Brasil)

Poesia Concreta - Zine Manifesto Punk – Número I – Jan-Fev/1988
Folhetim Alternativo de Poesia – Número III – Março/1986