Há 83 anos, morria Noel Rosa, o poeta da Vila

segunda-feira, 4 de maio de 2020.
Notícia
Fundação Biblioteca nacional, Noel Rosa, samba, Poeta da Vila
Hoje, 4 de maio, completam-se 83 anos da morte de Noel Rosa. O Poeta da Vila, como ficou conhecido, é um dos compositores de maior importância para a música brasileira e, ainda hoje, de uma atualidade impressionante. O samba como conhecemos hoje deve muito a ele. Noel consumou uma nova modelagem da forma da canção, na relação entre melodia e letra, na linguagem fundada nas entoações e expressões da fala cotidiana. Foi o maior representante desta nova canção e fez escola.

Ironia, crítica social, humor, lirismo e muita bossa estavam presentes na obra de cerca de 250 canções produzidas ao longo dos seus 26 anos vividos intensamente.  Já no seu primeiro sucesso, “Com que Roupa”, apresentava a sua marca de humor e crítica social: “Eu hoje estou pulando/ Como um sapo/ Pra ver se escapo/ Dessa praga de urubu/ Já estou coberto de farrapo/ E vou acabar ficando nu/ Meu terno já virou estopa/ Eu pergunto com que roupa/ Com que roupa/ Eu vou/ Pro samba que você me convidou”.  “Com que roupa” virou expressão popular que significava não estar com nada no bolso. Entre os amigos, Noel chamava esta música de “Brasil de tanga”. A novidade desta música não estava só na letra, mas na forma de cantar, imitando a cadência do tamborim. Noel transportava para o canto o ritmo criado pelos bambas da cidade nova.

Apesar de pertencer a um bairro de classe média do Rio de Janeiro, Vila Isabel, Noel circulava pelos redutos da população negra e pobre dos morros do Salgueiro, Estácio e Mangueira.  Nestes locais, o samba era diferente do samba do centro da cidade, mais próximo ao maxixe.  Noel foi o primeiro a compor sambas em parceria com os sambistas dos morros. Parceria real, não comprada, como era comum na época. Musicalmente, representou a integração da música da classe média e dos bairros da cidade com os sambas criados no Estácio e nos morros cariocas. Revolucionariamente, Noel rompia a barreira que separava o morro do asfalto.

As letras das músicas de Noel inauguraram uma liberdade temática. Antes, era o romantismo bem comportado das canções executadas de forma rebuscada, ou a galhofa das músicas de carnaval. Os temas se entrecruzam na obra de Noel: o amor, a malandragem e a boemia, como no samba “Pela décima vez”; os cenários do Rio de Janeiro e os estereótipos do carioca, presentes no samba “Coisas nossas”; o advento  do cinema falado e percepção das transformações que causou, como no samba “Não tem tradução”; filosofia e amor, no samba “Positivismo”, onde ele brinca com o lema positivista “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso como meta” numa letra sobre as agruras de uma paixão.

A partir de Noel, tudo poderia virar letra de música: a política, a economia,  a vida carioca, anedotas, conversas de esquina, filosofia de botequim. Aliás, o botequim jamais foi o mesmo depois de Noel. O samba genial que fez com o seu parceiro Vadico, Oswaldo Gogliano (1910-1962), “Conversa de botequim”, virou praticamente uma carteira de identidade do jeito de ser carioca, apesar de ter sido feito com um parceiro paulista. “Seu garçon” diz o resultado do futebol, traz o material de trabalho, empresta dinheiro.  O botequim virou “escritório” na gíria do carioca a partir de Noel.

Também com Vadico, Noel fez um samba cujos versos exprimem a alma do samba, que anos depois Vinícius de Morais definiu, com o mesmo espírito de Noel, como “a tristeza que balança”. No samba “Feitio de oração” Noel  imprime sua maneira de  ver  a música: “Batuque é um privilégio/ Ninguém aprende samba no colégio/  Sambar é chorar de alegria/ É sorrir de nostalgia/ Dentro da melodia” ; e resolve de uma vez por todas a origem do samba: “O samba/ Na realidade/ Não vem do morro/ Nem lá da cidade/ E quem suportar uma paixão/ Sentirá que o samba então/ Nasce do coração.

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