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![Isadora Duncan - Revista da Semana (RJ) Isadora Duncan - Revista da Semana (RJ)](https://antigo.bn.gov.br/sites/default/files/styles/large/public/imagens/noticias/2020/0530-isadora-duncan-arte-maior-que-vida/cobertura-6481-isadora-duncan-arte-maior-que-vida..jpg?itok=IzF5LDTG)
Foi em Nova Iorque que começou a ter aulas com Marie Bonfanti, mas não demorou muito para se incomodar com a rotina extenuante, cujos parâmetros convencionais reservavam às mulheres posição coadjuvante. Defensora da liberdade e dos direitos das mulheres, percebia que seus posicionamentos políticos e estéticos não eram bem vindos. Em 1899, decidiu se mudar com a família para Londres. Conquistou um público cativo com ajuda do pianista e maestro Charles de Halle na “New Gallery”. Durante as apresentações, Isadora combinava dança, música e interpretação, desenvolvendo uma arte multidisciplinar.
De Londres segue para Paris, onde conhece a artista Loie Fuller durante uma apresentação na Exposição Universal de 1900. O contato com a também dançarina norte-americana reafirmava sua crença em expressões corporais para além do balé tradicional. Em companhia de Loie Fuller, excursionou pela Europa. Na Alemanha, patrocinada pelo empresário Alexander Grosz, passou a criar espetáculos solo. Sua técnica inovadora depreendia profunda conexão com o corpo e seu movimento natural. Não se adequava a regras preestabelecidas. Sua dança era inspirada nos ícones da Grécia Antiga e no trabalho escultórico, que demandava o constante moldar do corpo. Despida de adornos: laços, meias, espartilhos, sapatilhas, propunha uma dança fluida, livre. Cabelos soltos, pés descalços. Corpo coberto somente por uma túnica de gaze. Sem maiores aparatos, seus movimentos atingiam o gestual necessário, cujo corpo sinuoso expressava afetos, sentidos e espaços cada vez mais amplos.
Parte de sua arte performática guarda influência de François Delsarte (1811-1871), cantor, filósofo e teórico do movimento, que colocou em prática fundamentos corporais, cuja estética se expressava em dimensões espiritual e metafísica. Duncan foi quem disseminou sua pedagogia para as escolas de dança na Europa. Inicialmente na Alemanha, depois Paris, URSS e EUA. A criação de escolas se tornou um dos grandes projetos de Duncan, chegando inclusive a adotar algumas de suas alunas. As pupilas e, mais tarde, propagadoras de sua arte recebiam a alcunha de “Isadorables”.
Com o início da grande guerra, Duncan retornou aos EUA. Em 1915, apresentou o espetáculo “A Marselhesa” no Metropolitan Opera House em Nova Iorque. A performance incluía movimentos inspirados em uma estética militar, convocando a plateia a integrar a luta pela liberdade. O espetáculo evidenciava mais uma faceta de Duncan. Ela acreditava na dança como uma elevação espiritual de comunhão entre corpo e mente, logo de sublimação da materialidade do corpo. Assim, todos alcançariam a liberdade e gozariam de princípios básicos, como a igualdade de direitos. Sua utopia política é exibida na coreografia “March Slav”, de Tchaikovsky. A associação de clássicos com performances de caráter transgressor era incomum para época e causava grande alvoroço entre a crítica especializada. Na peça, Duncan representava um camponês em posição subjugada. A canção “Deus salve o czar” era usada para marcar a queda do camponês que a seguir se rebelava. Tais temáticas alinhavam-se ao ideal comunista por ela defendido, fato comprovado pelo convite do governo soviético para administrar uma nova escola. Em 1921, encena na URSS a peça “Revolucionários”.
A trajetória de Isadora Duncan é marcada por amores e tragédias, momentos dramáticos, como a perda dos 2 filhos biológicos em um acidente de carro, seguido de afogamento. De paixões e um casamento ao final da vida, que, ao que se sabe, fora arranjado para facilitar a entrada do marido, o russo Serge Essenin no retorno aos EUA após deixar a URSS. É possível, pois não acreditava na instituição do casamento. Entre algumas curiosidades, destacam-se um recital inspirado nas três graças de Botticelli no qual se apresenta grávida, sua passagem em 1916 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e as investidas não correspondidas de Auguste Rodin e Gabriele d’Annunzio.
Morreu em 14 de setembro de 1927 em um acidente insólito. Durante um passeio de carro, a echarpe que usava no pescoço se enrolou no pneu do carro, enforcando-a.
Isadora Duncan deixa um legado celebrado até os nossos dias. Precursora da dança moderna, transformou o ato de dançar, experimentando a fusão entre o corpo e o espírito. Diziam que Isadora se movimentava como as águas, tamanha a delicadeza, porém sempre intensa. Com tamanha potência, Isadora Duncan, ensina e inspira, despida de preconceitos, o sentido mais caro à arte: liberdade!
Na imagem matéria da edição de setembro de 1916 da Revista da Semana em homenagem à “A Divina Isadora”. A hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional dispõe dessa e de outras matérias da Revista da Semana, conforme os links abaixo: