Joana D’Arc, santa, mártir, bruxa, líder militar...

sábado, 30 de maio de 2020.
Notícia
Joana Darc, Guerra dos Cem Anos, Queimada Viva, Fundação Biblioteca nacional
Heroína nacional, santa, bruxa, louca, mártir, prostituta, líder militar, herege... foram inúmeras as adjetivações dirigidas ao longo do tempo à Joana D’Arc, queimada viva em praça pública em Rouen (França), a 30 de maio de 1431.

Mas quem foi de fato essa figura tão importante da história francesa? Temos certo de que Joana D’Arc nasceu em 1412, na aldeia Domrémy-la-Pucelle, no noroeste da França. Filha caçula de uma família de camponeses, desde cedo frequentou a Igreja. Fundamental para se entender a trajetória de Joana D’Arc é compreender o contexto histórico em que ela nasceu: desde 1337, Inglaterra e França duelavam no que ficou conhecido como a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), uma disputa ao longo de mais de um século resultante de disputas monárquicas e soberania sobre o território francês a partir do falecimento do rei francês Carlos IV que, sem deixar herdeiros, abriu caminho para que o rei inglês Eduardo III – seu sobrinho  – reivindicasse direitos de sucessão.

Aos 13 anos, Joana D’Arc afirmou ter suas primeiras visões do arcanjo São Miguel, da Santa Catarina de Alexandria e da Santa Margarida de Antioquia, figuras que vieram lhe dizer que ela deveria integrar o exército francês e ajudar o rei Carlos VII – pretendente francês ao trono – na luta contra a Inglaterra. Três anos depois, motivada pelas suas visões, ela convenceu um funcionário local do reino francês a levá-la a uma audiência com Carlos VII e foi nessa época que a jovem cortou os cabelos e passou a se vestir com trajes masculinos, suspeita-se que para ganhar o respeito da população quanto às suas pretensões de ingressar no exército francês.

Uma das grandes controvérsias em torno da vida de Joana D’Arc gira em torno do que de fato teria acontecido em sua visita a Carlos VII. A corte real ao redor do trono obviamente suspeitaria daquela jovem camponesa que se dizia movida por visões de santidades e determinada a garantir a subida de Carlos VII ao trono. Uma das teorias mais aceitas é de que Joana D’Arc, na primeira reunião com a corte instalada em Chinon, teria reconhecido Carlos VII, que estava disfarçado entre os nobres como forma de teste quanto às intenções de Joana D’Arc. Tal reconhecimento seria impossível naquela época, já que Joana D’Arc jamais tinha visto o pretendente ao trono antes. Fato é que, depois da reunião e diversos outros testes e interrogatórios por clérigos – que realizaram exames até para confirmar sua virgindade –, foi concedido à jovem o comando de um destacamento do exército, cuja incursão foi fundamental para, em 8 de maio de 1429, se romper o cerco a Orleans, importante cidade francesa sitiada pelas tropas inglesas há 8 meses.

Ferida com uma flecha na batalha, Joana D’Arc sobreviveu e continuou comandando destacamentos do exército francês em expressivas vitórias. Em julho, suas tropas retomariam o controle sobre Reims, onde Carlos VII seria sagrado rei na histórica catedral da cidade, na presença de Joana D’Arc.

Ainda com alguns territórios importantes a conquistar, como a própria capital, Paris, os confrontos continuaram até que, num conluio entre franceses adeptos da monarquia inglesa e os próprios ingleses, Joana D’Arc foi capturada e presa, permanecendo encarcerada por oito meses pelos ingleses até ser julgada por heresia, bruxaria e idolatria. O processo que levou ao seu julgamento legou importantes fontes históricas, o que permitiu a historiadores recuperarem sua história e legado. A jovem de 19 anos foi condenada pelo bispo francês Pierre Cauchon no dia 29 de maio, se confessou, recebeu a eucaristia e, vestida de branco, foi queimada viva em na Praça do Velho Mercado de Rouen, às 9 horas da manhã daquele dia.

Suas cinzas foram jogadas no rio Sena, para que não se tornassem objeto de veneração pública.

A revisão do seu julgamento começou em 1456, três anos depois da Guerra dos Cem anos, quando o papa Calisto III considerou Joana D’Arc inocente e invalidou os processos que a condenaram.

Em 1909, a Igreja Católica autorizou sua beatificação. A Fundação Biblioteca Nacional possui uma “lembrança da conferência do Revmo Pe. Gaffre sobre sobre “A missão sobrehumana de Joana D’Arc” em favor da Casa Pia de S. Vicente (orphanato) desta cidade e do Monumento que se vae erigir á mesma Joana D’Arc na Praça Vieux Marchpe, em Rouen (França), lugar este onde a heroína foi queimada”, conferência realizada por ocasião de sua  beatificação (imagem ilustrativa do post) 

A jovem camponesa francesa que virou filmes do italiano Roberto Rossellini e do norte- americano Cecil B. de Mille, já foi interpretada pela atriz sueca Ingrid Bergman, inspirou música do canadense Leonard Cohen e livros de história e literatura – inclusive um romance escrito pelo brasileiro Érico Veríssimo publicado em 1935 –, também inspirou várias peças de teatro no Brasil.

Destacamos aqui o “Requerimento ao secretário do Conservatório Dramático Brasileiro, solicitando exame censório para a peça: Joana D’Arc”, elaborado por Florindo Joaquim da Silva, diretor da companhia de teatro que encenaria a referida peça em 1852:  http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mss14...

No documento, podemos identificar a censura de algumas palavras e expressões do texto da peça, de acordo com o Aviso de 10 de Novembro de 1843, que decretava que “não devem aparecer na cena assuntos, nem mesmo expressões menos conformes com o decoro, os costumes e as atenções que em todas as ocasiões se devem guardar, maiormente naquelas em que a Imperial Família honrar com a Sua Presença o espetáculo”, indicando a preocupação dos legisladores em respeitar, honrar e proteger o cargo mais alto da nação e o seu ocupante, o imperador D. Pedro II, de expressões de baixo calão e que atentassem contra o decoro que o cargo demandava.

Em 16 de maio de 1920, a pouco mais de um século atrás, Joana D’Arc foi canonizada pelo Papa Bento XV, tornando-se padroeira nacional francesa, mártir pela pátria e da fé. Um mito que despertou a admiração de todos, uniu seus conterrâneos. Uma figura cujo misticismo se encontra firmado em sua religiosidade, devoção ao catolicismo, seu comportamento exemplar, seus feitos heroicos em vida e seu importante desempenho militar cujas vitórias foram importantíssimas para a definição da Guerra dos Cem Anos e para a sua nação. Uma jovem camponesa e pouco letrada que não fraquejou diante da missão de comandar um exército inteiro, mesmo sem nunca ter recebido treinamento militar.

(Thiago Romão de Alencar)