Anais da Biblioteca Nacional vol. 141

É com alegria que nos cabe apresentar mais um volume dos Anais da Biblioteca Nacional, a publicação mais antiga da instituição cultural mais antiga do Brasil. O presente volume, como é de praxe, colige artigos produzidos por pesquisadores a partir do acervo da Biblioteca e está dividido em duas seções principais: na primeira, reúne os artigos apresentados na 6a Jornada de Pesquisadores do Fundação Biblioteca Nacional, que aconteceu em 2020 e consistiu na apresentação dos trabalhos produzidos pelos então bolsistas da FBN; na segunda, traz artigos relativos ao Bicentenário da Independência do Brasil, no que a Biblioteca Nacional se junta às comemorações gerais realizadas por várias outras instituições brasileiras. Após os dois conjuntos principais de artigos, o volume traz a seção “Preciosidades do Acervo”, que costuma sempre apresentar ao público – com um artigo e um caderno de imagens – um item do acervo que merece mais atenção e pode dar um vislumbre metonímico da vastidão, variedade e qualidade do que está sob a guarda da Fundação Biblioteca Nacional. Abre o volume e a primeira seção de artigos “‘Guiou-me no estudo dessas sentenças, única e exclusivamente, o desejo de acertar’: as considerações processuais do magistrado Francisco José Viveiros de Castro sob a perspectiva da Escola Positiva do Direito (1890-1900)”, de Adriana Gomes. O artigo analisa o corpo de decisões judiciais proferidas pelo juiz Viveiros de Castro, proeminente jurista maranhense que fez carreira na então capital do Império na segunda metade do século XIX, e o modo como essas decisões representaram a influência do pensamento da Escola Positiva na formação de jurisdição no Brasil. O foco recai sobre quatro crimes tipificados no Código Penal de 1890: estupro, defesa da honra como homicídio, prática do espiritismo e contravenção no jogo. A descrição dos episódios que ensejaram as decisões de Viveiros de Castro, bem como as próprias decisões, deixam claro o quanto as instituições jurídicas, políticas e a própria imprensa brasileiras da época estavam eivadas de racismo (inclusive religioso), misoginia e ódio de classe. Todo esse caldo desaguou na formação da jurisdição penal brasileira, por mais que a absorção de ideias da Escola Positiva do Direito pudesse representar um avanço, ainda que mínimo, no contexto da época. Em artigos como “(Re)descobrir o Brasil pela história. Escolanovismo, historiografia e ensino de história no Brasil dos anos 1920”, de Rui Aniceto Nascimento Fernandes, e “Salammbô (1862), de Gustave Flaubert: fontes e polêmica”, de Celina Maria Moreira de Mello, em suas disparidades de objeto e método, dizem da diversidade de temas a cuja pesquisa o acervo da Fundação Biblioteca Nacional abre caminho e que entretecem história, literatura, ensino e política. Outros artigos desta seção investigarão o papel da imprensa em diferentes momentos da história do Brasil. Abre a segunda seção de artigos – aquela dedicada ao bicentenário da Independência – o artigo “O acervo da Biblioteca Nacional e a Independência do Brasil, 200 anos”, de Lúcia Maria Bastos P. Neves, professora titular de História Moderna da Uerj, investigadora colaboradora do Centro de História da Universidade de Lisboa e sócia titular do IHGB. Este artigo busca resgatar a memória coletiva da sociedade brasileira dos Oitocentos no período de sua separação de Portugal. Como guardiã da memória da sociedade brasileira e como instituição cuja semente foi a Real Biblioteca, vinda para o Brasil junto da família real portuguesa, a Biblioteca Nacional de fato parece ser vocacionada para servir de objeto a este tipo de investigação. “É possível ainda”, diz a autora, “verificar o que estava sendo impresso às vésperas da Independência e, a partir daí, como essas ideias circulavam e eram apropriadas por um público leitor”. Há tanto decretos, relatos, cartas, diários, periódicos e panfletos relacionados à Revolução Liberal do Porto como relacionados às iniciativas de solidificação da identidade e institucionalidade do recém-fundado império brasileiro, como há também muitos outros tipos de documentos relacionados à independência, o que permite investigar os diversos estágios do nosso multifacetado e complexo processo de independência. Atenção especial é dada à coleção Documentos Biográficos, que a Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional divide com o Arquivo Nacional: “Constitui no mais rico manancial de dados para identificar a composição social das elites política e intelectual do mundo luso-brasileiro, especialmente, no período da Independência, e nos anos do Império, a partir dos numerosos requerimentos ao soberano, que a compõem, e que se fazem acompanhar, muitas vezes, por atestados, comprovando os principais feitos da personagem. Logo, por sua leitura, temos acesso à trajetória daqueles que foram os principais personagens políticos do processo de separação do Brasil”. Os próprios Anais da Biblioteca Nacional, criados por Ramiz Galvão em 1876, constituem fonte preciosa nesta pesquisa, bem como as “Cartas Andradinas”, documentos inestimáveis para a compreensão dos processos internos de tomadas de decisão no período processo à secessão brasileira. O artigo repassa todas essas facetas do acervo da Biblioteca Nacional não como forma de propor uma visão já pronta, postiça e naturalizada da nossa história, mas, pelo contrário, como forma de renovar a visão deste acervo como um vasto sementário para novas pesquisas que possam nos municiar de um senso vivo e crítico de nossa trajetória e de nosso futuro. Os outros artigos desta seção, “O Conde de Linhares e a economia política na Era das Revoluções: Brasil, Portugal e Inglaterra, c.1795-c.1808”, de Thiago Alves Dias, “O tour da Bahia: o manuscrito de Boniface Bellons e a literatura de viagens europeia do início do século XIX”, de Frederico Tavares de Mello Abdalla, e “Opinião pública, imprensa e representação no Brasil Império”, de Tassia Toffoli Nunes, escolhem objetos e pontos de partida diferentes – um documento do acervo, uma figura histórica de vulto, a atuação de uma série de periódicos em um determinado período – para ligarem o acervo da Biblioteca Nacional aos acontecimentos políticos do Brasil dos Oitocentos e estes, por sua vez, ao quadro político geral da relação da Europa com as colônias americanas. Na seção “Preciosidades do Acervo”, que ocupa o caderno de imagens desta edição dos Anais, temos “Plantas da nação: a representação da flora na construção da natureza tropical e da nação brasileira”, de Bruno Capilé, que analisa o processo de “iconização” de algumas espécies vegetais da Mata Atlântica que, desde a independência, se tornaram verdadeiros símbolos da identidade nacional brasileira. O autor procurou entender e descrever este processo como um fenômeno relacional entre as espécies vegetais e os naturalistas, artistas e exploradores humanos, em vez de conceder o crédito apenas à agência humana.

Características (título)

Ano de publicação: 
2022
Versão disponível: 
digital

Rótulos

acervo
Biblioteca

Anais da Biblioteca Nacional

Publicação mais antiga da Biblioteca Nacional (circula desde 1876), seu objetivo é apresentar o acervo da instituição – por meio, principalmente, de inventários, transcrições de documentos, estudos e pesquisas – e os conteúdos de atividades técnicas e culturais desenvolvidas anualmente, como seminários e ciclos de palestras.