Entrevista com Angela Gomes e Patrícia Hansen, vencedoras do Prêmio Literário na categoria Ensaio Social

quarta-feira, 4 de abril de 2018.
Perfil
ensaio social, Prêmio Literário
Angela Gomes e Patrícia Hansen foram as grandes vencedoras do Prêmio Literário Biblioteca Nacional 2017 na categoria Ensaio Social, pelo trabalho de organização que realizaram na obra Intelectuais mediadores: Práticas culturais e ação política.

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27 de novembro de 2017 - Angela de Castro Gomes e Patricia Hansen foram reconhecidas na categoria 'Ensaio Social', tendo recebido a premiação das mãos de Maria Eduarda Marques, diretora do Centro de Cooperação e Difusão.
27 de novembro de 2017 - Angela de Castro Gomes e Patricia Hansen foram reconhecidas na categoria 'Ensaio Social', tendo recebido a premiação das mãos de Maria Eduarda Marques, diretora do Centro de Cooperação e Difusão.

Seus nomes, juntamente com aqueles dos demais vencedores, foi conhecido durante cerimônia de premiação realizada na Biblioteca Nacional no dia 27 de novembro de 2017.

A seguir, elas respondem a algumas perguntas sobre a importância do Prêmio Literário, explicando também, para o leitor leigo, o conceito de ‘intelectual mediador’, que dá nome à obra.

Qual é a importância de conquistar o Prêmio Literário Biblioteca Nacional?

Bem, a começar, esse é um dos mais importantes prêmios literários do país, o que enche de orgulho e alegria qualquer autor. No nosso caso, foi extremamente gratificante, pois, reunimos no livro um grupo de professores altamente qualificado e, com o prêmio, tivemos um trabalho coletivo de anos reconhecido da melhor maneira possível. Mas além da alegria de ver nosso livro escolhido entre três concorrentes de grande qualidade – a nosso lado estavam A tortura como arma de Guerra, de Leneide Duarte-Plom, e Escravidão e capitalismo histórico no século XIX, de Rafael Marqueses e Ricardo Salles -, foi também muito bom perceber que havia um traço comum entre eles, que era o da atualidade na abordagem dos temas que tratavam. Os finalistas, portanto, além do critério de excelência, também foram selecionados por seu caráter inovador e original. Nesse sentido, o prêmio é uma chancela de que Intelectuais Mediadores possui tais características e pode contribuir para aumentar a visibilidade das pesquisas sobre intelectuais que se dedicam às práticas de mediação cultural. Um tema que, no Brasil, ainda não é tão investigado. Por fim, queremos registrar que foi um privilégio ter como leitores uma banca tão competente, como a formada por Antônio Paulo Rezende, Marcus Veneu e Ronaldo Vainfas.

Afinal, qual é a visão das próprias organizadoras sobre o tema Intelectuais mediadores, a partir de todos os trabalhos que integram a obra? Para vocês, o que caracteriza os ‘intelectuais mediadores’?

No texto que abre o volume – “Intelectuais, mediação cultural e projetos políticos: uma introdução para a delimitação do objeto de estudo” –, discutimos questões teóricas e dialogamos com a historiografia e a sociologia, especialmente a francesa, no que tratam dos intelectuais e das transferências culturais. O termo ‘intelectual mediador’ foi utilizado por Jean François Sirinelli, em contraste a um outro tipo de intelectual que seria o intelectual criador ou produtor, justamente para ressaltar uma série de práticas culturais de mediação cultural, cada vez mais fundamentais com os avanços das modernas mídias. Outros autores, como Christophe Charle, Michel Espagne, Louise Benat Tachot e Serge Gruzinsky, usam o termo passeur ou passeur culturel para designar os mediadores culturais. Ou seja, no livro, fazemos um claro recorte: trabalhamos com os intelectuais que se dedicam e até se especializam na mediação cultural, sempre articulada a algum projeto político.

Na introdução do livro, tivemos a possibilidade de cotejar esse “tipo” intelectual, a partir de diversas experiências de mediação cultural. Foi isso que os capítulos do livro fizeram em suas análises. Assim, pensamos ter contribuído em vários aspectos para o conhecimento de um tema de pesquisa riquíssimo e pouco frequentado. Demonstramos, por exemplo, como a distinção/hierarquização entre os chamados intelectuais produtores e mediadores acaba por ser problemática, correspondendo mais a um preconceito amplamente disseminado de que há uma desigualdade de valores entre esses dois tipos de intelectuais e/ou de atividades intelectuais. Essa distinção, na verdade, muitas vezes oculta o fato de que um mesmo sujeito se dedica às atividades de criação e mediação, mas mesmo quando há uma especialização, essas fronteiras são fluidas, não autorizando uma minimização das práticas de mediação. Finalmente, que essa é uma falsa dicotomia para se pensar a dinâmica de produção e circulação dos bens culturais, na medida em que desconsidera os processos de apropriação cultural e recepção por parte dos diversos sujeitos históricos nela envolvidos.

Em resumo, podemos dizer que os intelectuais mediadores se caracterizam por serem intelectuais que se dedicam às atividades de mediação cultural, pelas quais atribuem novos significados aos bens culturais que mediam. De acordo com a história dos intelectuais, eles devem ser caracterizados numa acepção ampla, como sujeitos históricos responsáveis pela produção e circulação de bens simbólicos numa sociedade, possuindo projetos político-culturais vinculados, direta ou indiretamente, à intervenção social.

Como definir a categoria ‘intelectual’ atualmente? É possível traçar uma linha para identificar perfis de profissionais e pensadores que podem ser identificados como intelectuais?

Como todos os conceitos, o de intelectual é polissêmico, e qualquer definição será sempre objeto de disputa. Cabe aos historiadores elucidar os sentidos atribuídos aos conceitos nos seus variados usos e contextos, justamente o que procuramos fazer no livro para melhor constituir essa categoria de intelectual mediador. Ou seja, a palavra intelectual pode designar pessoas com características distintas em diferentes contextos de linguagem, ganhando e perdendo significados no espaço e no tempo. O que estamos propondo no livro é que o perfil do intelectual no século XXI tem que ser expandido, não podendo mais ser unicamente identificado com a figura do teólogo ou do filósofo, ou mesmo do pensador da “alta cultura”, como ocorreu no século XIX e início do XX. Dessa forma, qualquer esforço para identificar intelectuais com determinadas profissões não faz muito sentido. Ao contrário, desejamos considerar os intelectuais em sua acepção mais ampla, justamente para agregar homens e mulheres que costumavam ser excluídos dos estudos sobre intelectuais por terem se destacado em atividades de mediação cultural, como as da edição e tradução, entre outras. É preciso compreender e valorizar o lugar dessas práticas de mediação, ao lado de outras que costumam ser mais reconhecidas nas biografias de intelectuais considerados consagrados. É nesse sentido de alargar e complexificar as práticas culturais que propomos utilizar a categoria de análise de intelectuais mediadores.

Qual é o desafio de escolher quais textos entram e quais ficam de fora no processo de organização de uma obra como Intelectuais mediadores?

Nós fizemos isso ao longo de um processo que demorou anos. Essa coletânea foi fruto de um trabalho de decantação. Começamos a reunir pesquisadores interessados nessa temática, organizando grupos em diferentes congressos e simpósios desde 2012. Tivemos participantes de áreas como a história dos intelectuais, do livro e da leitura, da educação, da historiografia, das ciências etc. Fomos amadurecendo nossas questões, até que nasceu a ideia e o plano de organização do livro, no final de 2013. Em um primeiro momento, solicitamos o envio de propostas dos capítulos; em seguida, reunimos versões preliminares desses capítulos, que circularam previamente entre os participantes. Elas foram apresentadas em um workshop, realizado na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), em agosto de 2014, que foi muito proveitoso e acabou sendo o momento em que ficou claro que textos ficariam no livro. Finalmente, após revisões e acréscimos, apoiados nas sugestões e questões colocadas durante o workshop, os capítulos em versão final foram enviados às organizadoras do livro.

Nós tivemos a sorte e a oportunidade de pensar o plano do livro conhecendo muitas pesquisas em desenvolvimento, já que tomamos contato com elas quando eram apresentadas nos vários simpósios que coordenamos. Isso permitiu que o processo de organização do livro se fizesse numa ordem diferente, mais lenta e também com mais trocas do que o usual em coletâneas. Em outras palavras, nós não concebemos um livro em abstrato, fazendo um plano e pedindo colaborações. O que aconteceu foi mais ou menos o inverso. Começamos a ter contato com muitas propostas, que poderiam se afinar como tema dos intelectuais mediadores. Então aprofundamos uma reflexão junto com colegas bastante interessados em problematizar seus objetos de pesquisa, a partir do desafio que a categoria suscitava. Fomos então encontrando relações, pontos em comum e organizando um plano de livro. Não pudemos convidar todas as pessoas que apresentaram trabalhos interessantes nesses encontros, porque tínhamos um limite de capítulos. Queríamos uma diversidade de práticas de mediação, desenvolvidas por diferentes “tipos” de intelectuais mediadores, especialmente brasileiros e portugueses. Ao mesmo tempo, precisávamos encontrar alguns eixos para organização do livro, o que foi feito a partir de nossos encontros e debates. Foi um processo demorado, mas muito prazeroso. Afinal o resultado demonstrou o valor da interlocução, e somos muito gratas a todos os colegas que participaram do projeto, acompanhando, discutindo e, agora, divulgando esse livro premiado pela Biblioteca Nacional. Um fecho de ouro!